
No Caminho Para o Templo
Dizia uma velha lenda que um homem já bem estabelecido na vida sentia-se infeliz e doente. Nada lhe agradava, embora tivesse tudo que sua boa situação financeira pudesse lhe comprar. Eram frequentes as discussões ácidas com sua esposa e filhos, bem como enfrentava insubordinações constantes dos seus servos. Sentia que sua vida diluía-se, vazia, enquanto seu corpo deteriorava-se rapidamente, muito embora fosse relativamente jovem.
Um dia, cansado das agruras que experimentava, resolveu procurar o velho monge do templo do lugar para ouvir dele um pouco de sabedoria e guiá-lo no seu destino doloroso.
– Mestre, tenho tudo o que qualquer homem de bem gostaria de ter e, assim mesmo, sinto-me infeliz, doente e amargurado – E passou a narrar suas desventuras enquanto o velho monge o escutava em silêncio.
Quando terminou, o monge continuou em silêncio por muito tempo com os olhos fechados.
Já impaciente, o homem clamou:
– Mestre!
O monge levantou a mão lentamente, abriu os olhos e perguntou:
– Meu filho, você se considera um homem justo?
– Sim, Mestre! Sigo estritamente a lei e a aplico com todo rigor a todos.
– Você se considera um homem honesto?
– Claro, Mestre! Sempre agi honestamente em todos meus negócios e pago a todos conforme o ajustado.
– Você se considera um homem sábio?
– Eu ainda não aprendi tudo na vida, tanto que estou ouvindo o Mestre. Mas, no que concerne aos fatos da vida e julgamento das situações, procuro fazê-los com sabedoria.
– Você é um homem religioso?
– Muito, Mestre! Sigo todos ensinamentos do nosso Inspirador Maior e venho ao templo uma vez por semana com minha família e meu séquito para render homenagem aos Céus.
– Você é um homem bondoso?
– Sempre, mestre! A prova é que sempre dou dez moedas ao Templo quando aqui venho.
O velho sábio ficou em silêncio mais um pouco e então perguntou:
– Se você é um homem justo, honesto, sábio, religioso, bondoso e tem tudo o que quer, porque se considera infeliz e doente?
– Não sei dizer, Mestre. Por isto estou aqui para ouvir vossa palavra sábia.
– Então, eu gostaria que meu filho provasse que é realmente um homem justo, honesto, sábio, religioso, bondoso através de um ritual muito simples. O meu filho doará uma moeda todos os dias ao Templo durante um mês, com uma condição especial.
– Somente uma moeda, Mestre? Qual a condição?
– No meio da tarde, você largará todos seus negócios e virá caminhando até aqui para depositar a moeda e orar um pouco.
– Mas, Mestre, sou um homem de bem e o que os outros falarão se me virem andando até aqui? Tenho servos que podem me trazer na liteira. Além disso, como poderei largar meus negócios em meio a eles?
– Se meu filho for realmente um homem justo, honesto, sábio, religioso e bondoso como diz, não terá nada a temer vindo aqui. Além do mais, meu filho deve ter algum servo de confiança capaz de se encarregar dos seus negócios por breves horas, não é mesmo? É para seu próprio bem, já que meu filho está à procura de uma solução para sua vida angustiada e seu corpo ferido.
– Está bem… Concordo! – disse o homem muito relutantemente.
E o Mestre fechou-se novamente em silêncio.
No dia seguinte, o homem deu exaustivas instruções a um servo para cuidar dos seus negócios em sua ausência, pegou somente uma moeda com medo de ser roubado pelo caminho, vestiu roupas mais simples para não ostentar riqueza e saiu apressado.
A caminhada foi-lhe difícil porque cada passo a mais o corpo parecia-lhe acrescentar mais peso. Não olhava para os lados, tentando ignorar a todos, mas sabia que lhe olhavam com curiosidade. Suando profusamente, parou para descansar um pouco à sombra de um pequeno negócio. Ali, foi reconhecido pelo dono, um amigo seu que não via a muitos anos. Conversaram um pouco, lembrando os bons tempos. Mais descansado, finalmente chegou ao Templo. Depositou a moeda, orou um tanto, mais para relaxar do que realmente para orar e fez o caminho de volta com mais lentidão, medindo os passos. Ao chegar em casa, deitou-se imediatamente e dormiu como nunca havia feito.
Cedo, na manhã seguinte, mesmo sem se alimentar, respirou aliviado ao ver que seus negócios haviam sido bem tratados no dia anterior.
À mesma hora, deu novas instruções ao servo e partiu. O corpo doía-lhe mas a sensação era de que a caminhada se tornava mais fácil. Trocou palavras com seu amigo, prestou atenção nas pessoas e fez suas obrigações.
No terceiro dia, já estava mais tranquilo com relação aos negócios. Já não caminhava com dificuldade e até cumprimentava algumas pessoas. Ao passar por uma ruela, notou uma mulher com os filhos num casebre e reconheceu-a por tê-la visto em companhia de um dos seus servos. Ficou penalizado com as condições da morada e deu a única moeda que trazia. No Templo, pediu desculpas e disse que traria duas no dia seguinte.
E assim se passaram os dias com o homem dormindo melhor, confiando mais nas pessoas e se solidarizando mais com elas. Até já levava mais moedas caso precisasse. Também notou que os negócios estavam melhores porque descobriu que podia confiar nas pessoas, seja qual for a categoria delas.
Num certo dia, quase ao sair, notou que um filho seu estava doente. Ao invés de mandar os servos cuidarem do doente, ele mesmo providenciou o médico e ficou na sua cabeceira até vê-lo melhorar. Esqueceu-se do Templo. No dia seguinte, pediu desculpas ao Mestre, o qual respondeu:
– Provando que é bondoso e caridoso, meu filho?
Ao término do mês, o homem já era outro, mais revigorado fisicamente, alegre por encontrar pessoas e por dar mais tempo para a família. Ao encontrar-se com o Mestre, curvou-se profundamente em sinal de agradecimento, retribuído por um sorriso significativo. Não trocaram palavras porque não eram necessárias.
Ainda hoje o homem vai ao Templo caminhando; mas, ele sabe que não é o Templo que fez sua felicidade e, sim, o caminho até ele.
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