
Chafarizes
Perto de onde moro, tem uma pequena praça que costumo frequentar. Ali, tem alguns bancos à beira de caminhos de areia entrecortando alguns canteiros de flores e pequenas árvores nativas que parecem mais ser “mato nativo” do que qualquer outra coisa.
Num destes canteiros, razoavelmente grande, cercado por pedaços de bambu e madeira, sempre bem florido e carregado de plantas, está a imagem de uma Nossa Senhora dentro de um nicho protegido por vidro, cujo nome não consigo descobrir. Num certo ponto da cerca, uma porta tosca fechada com um cadeado que já viu dias melhores. Evidentemente, alguém mantém este canteiro e não quer deixar ninguém estragar nada.
No centro da praça, um canteiro redondo, enorme, com um chafariz de concreto em estilo indefinido num formato de alguma flor aberta e ocupando todo o espaço, claramente desproporcional para o tamanho da praça. O jato de água, funcionando exatamente a cada cinco minutos e trinta e cinco segundos, produz uma cortina de vapor bastante bonita quando se olha contra o Sol. Mais bonita ainda fica esta cortina ao entardecer. Um dia, eu gostaria de encontrar o paisagista desta praça porque, à parte a falta de proporções do chafariz, foram colocados bancos fixados em concreto nos pontos cardeais ao redor dele. Primeiro problema: quem senta nos bancos fica de costas sem poder admirar a beleza duvidosa do chafariz; segundo problema: qualquer vento, por menor que seja, leva o vapor de água para os lados – não é necessário ser mágico para adivinhar – os bancos ficam molhados! Resultado: ninguém senta neles a não ser algumas crianças mais travessas em dias de calor.
No geral, porém, a pracinha é bem gostosa para relaxar um pouco sem consultar o celular. Quando tem um banco disponível num dos cantos, fico a observar as pessoas que passam ou as conversas de quem senta ao lado.
Numa dessas oportunidades, duas mulheres, que eu diria estarem nos seus 60 e poucos, conversavam sobre assuntos gerais até que uma delas disse:
– Quais são as novidades na área amorosa? Estou enganada ou um príncipe encantado está vindo a galope ao teu encontro?
– Ah! Amiga – disse a outra, corando levemente e dando um sorriso matreiro – eu fui ao médico há algumas semanas. Ele examina daqui, examina dali, até que me pediu para mostrar a língua. Fiquei surpresa quando ele a viu e disse “Hummm! Que língua bonita!” Nunca imaginei que pudesse ouvir tal coisa vinda de um médico! E ele também se surpreendeu com o que disse e perdeu a linha! Ficou imóvel por alguns instantes, baixou a cabeça como quem pedisse penitência. Eu não sabia o que dizer ou fazer, ainda com a língua de fora. Mais tarde, pensando no assunto, eu ri muitas vezes porque ele estava encabulado e eu com a língua de fora, sem me mexer!
– Ele, então, olhou bem para meu rosto por alguns segundos como me admirando e caímos na gargalhada! O que ele disse em seguida me surpreendeu novamente: “Por um acaso do destino e sem ser assustadoramente atrevido, essa língua gostaria de teatro?” Abriu uma gaveta da mesa e tirou dois ingressos de uma peça no próximo sábado. Sem pestanejar e nem pensar, eu aceitei!
– Como assim? – interrompeu a primeira amiga – assim, do nada? E ele é charmoso, pelo menos?
– Pois é! De teatro, falamos sobre filmes, depois de livros e, finalmente, sobre viagens. Esquecemos completamente a consulta médica até que fomos interrompidos pela secretária que avisou da próxima consulta com pacientes à espera. Eu nem me lembro como saí do consultório tal o ritmo acelerado do meu coração! Parecia que flutuava no ar pelo inusitado da situação.
– Nossa, isso nunca aconteceu comigo, você é realmente sortuda! Foram ao teatro?
– Nos dias seguintes, eu me belisquei várias vezes para ver se não estava sonhando. Finalmente, na sexta ele me ligou – claro, nem precisava dar meu telefone, bastava pegar minha ficha médica, certo? Combinamos para o dia seguinte. Ele veio me pegar e lá fomos nós. Um perfeito cavalheiro…
Neste momento, as duas se levantaram e foram se afastando mas ainda pude ouvir algumas palavras:
– Amanhã, vamos passear no Jardim Botânico…
E eu fiquei ali pensando com meus botões. Já tinha ouvido falar em casos de encontro onde as duas pessoas acabam se enroscando nas correias dos respectivos cachorros, ou o sujeito que atropelou uma moça e acabaram se apaixonando… Mas uma língua disparando paixões?
E eu me peguei colocando a língua para fora para ver o que ela tinha de interessante!
Comecei a rir pensando em caminhar na rua, olhar para alguma “candidata” em potencial e gentilmente pedir que me mostrasse a língua… Será que funcionaria? Ou seria xingado por atentado ao pudor?
Quem sabe?
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