Respire Fundo!
O meu processo legal de divórcio foi um tanto longo, chegando ao ponto de ter que sair de casa de um dia para outro. Comigo, apenas uns poucos pertences e… uma conta que esqueci de pagar. O valor não era grande e era uma conta em comum, mas que estava em meu nome. Portanto, eu teria que pagá-la embora ambos fôssemos responsáveis por ela.
Como disse, eu a esqueci completamente até que recebi uma carta de um escritório de advocacia dando-me poucos dias para resolver o assunto ou então…
Eles foram bem diretos para garantir que eu entendesse a verdadeira seriedade da questão porque eles diziam: “…depois de várias tentativas de contactá-lo sem ter respostas do seu lado…”. Eles devem ter enviado as cartas para meu antigo endereço e a minha ex-esposa deve tê-las jogado no lixo sem ao menos tentar comunicar-se comigo. Não sei onde eles acharam meu novo endereço; só sei que a ameaça já estava em minhas mãos.
Certo ou errado, eu tinha que enfrentar a situação de pagar a conta, mais juros, despesas legais, etc., depois de amanhã, no escritório dos advogados e em dinheiro porque eles passam a não confiar em devedores malcheirosos como eu que deixam contas atrasar. Adiantaria explicar que tudo não passou de um esquecimento e troca de endereço? Adiantaria explicar que eu pago todos minhas contas religiosamente em dia? Eu acredito que até ouviriam minhas desculpas em silêncio, mas diriam polidamente no final: “O senhor trouxe o dinheiro?”.
Querem mais? Os advogados não eram simples advogados; eles eram OS ADVOGADOS, os maiorais da região, com um escandaloso conjunto de escritórios, tudo envidraçado na cor de cobre, num edifício que lembrava o formato da inicial do seu fundador, justamente na parte mais cara do centro da cidade. Eu conhecia o lugar; quem não o conhecia? E eles estavam atrás de mim. Pobre de mim! Sem chance a não ser pagar…
Acordei cedo já decidido a ir ao banco pegar o dinheiro assim que ele abrisse. E aí começaram os problemas: o carro não pegou! Tentei de tudo e não houve jeito de pegar. Restou-me a alternativa de chamar um taxi até a longínqua agência bancária.
Com o dinheiro na mão (ah! que perigo!), peguei outro taxi até o centro da cidade. No fabuloso edifício, tive que esperar numa fila para identificar-me (a entrada era controladíssima com catracas acionadas por cartões especiais de identificação obtidos na recepção) para poder ir ao escritório desejado. A recepcionista não sabia exatamente onde me mandar (ou não entendeu o que um plebeu como eu estaria fazendo ali) e acabou por me mandar para o Centro de Informações (sim, o edifício tinha até Centro de Informações!…). Ali, depois de esperar em mais uma fila, uma linha moça, toda perfumada, informou-me que eu estava no edifíio errado porque aquele era somente para lidar com grandes casos e o meu caso (coitado de mim…) seria resolvido no endereço especificado na carta que eu havia recebido. “Você não leu toda a carta que enviamos?” E apontou o local na carta onde estava o endereço.
Crítico como sempre fui, enquanto esperava nas filas, não deixei de analisar a demora das mesmas. Na minha opinião, esses advogados ficaram tão ricos e poderosos que a própria fama e riqueza deve ter começado a assustá-los a ponto de adotar critérios de segurança tão rigorosos que estavam complicando a vida dos seus próprios clientes. Espertos, eles vendiam essa “segurança” como um dos pontos altos da qualidade dos serviços que prestavam. E os clientes aceitavam isso, a julgar pelo entra-e-sai de gente neste edifício e ainda pagavam a mais por isso!
Falando em filas, em nenhum lugar do edifício eu vi uma fila para idosos (bem como senhoras com crianças, gestantes e pessoas com desabilitações) talvez porque a maioria dos clientes sejam pessoas já maduras? Enfim, eu observo esse detalhe porque me qualifico como pessoa da terceira idade e, às vezes, até uso tais filas quando me convém. No mais, comporto-me como qualquer outro cidadão e espero minha vez em filas normais.
Embora estas filas especiais tendam a trazer uma vantagens a pessoas mais frágeis, elas acabam apresentando um problema grave se não forem equipadas com guichês específicos para elas. Do contrário, todas as pessoas, frágeis ou não, irão para a mesmo lugar, muito embora as mais frágeis sejam dignas de prioridade no atendimento. O resultado é que aqueles que deveriam ser privilegiados acabam esperando mais tempo do que se entrassem em filas normais. Eu já vi isto acontecer em vários locais que têm as tais filas para cumprir alguma lei e para se passar por “bonzinhos” quando, na verdade, nada é feito para melhorar a vida de quem mais precisa.
Voltando ao endereço onde eu deveria me dirigir, descobri que era no subúrbio, longe do centro. “Perdi tempo e dinheiro por nada e nem resolvi meu problema!”
Lá fui eu de taxi novamente. Quase na porta do prédio, o calor intenso já se fazia sentir pelo sol a pino do meio-dia. O prédio era bem discreto mas do tipo que já tinha visto dias muito melhores. Suando e já começando a criar quimeras do tipo “será que errei de lugar novamente?”, cheguei no elevador que, para o cúmulo do azar, tinha uma plaquinha dizendo: “Em conserto. Favor usar as escadas.” Aquilo me irritou ainda mais profundamente porque o escritório deles era no sétimo andar!
Eu cheguei até aqui e tinha que terminar o serviço… Primeiro andar, segundo andar, terceiro andar… A cada andar, eu ficava cada vez mais irritado, furioso e suando, nesta ordem: suando, irritado e furioso. Conforme subia, parecia que o número de degraus aumentava ao invés de diminuir. Cinco, seis… Sete! Eu estava espumando de raiva, quase morto, não sei de raiva de mim mesmo ou deles. Dei de cara com uma pequena sala onde havia uma mesa cheia de papéis e, atrás dela, uma moça mexendo neles.
– Isto é ridículo! Primeiro, meu carro não pegou…” – eu comecei a extravar minha raiva.
– Por favor, sente-se – ela disse calmamente.
– Depois, fui ao lugar errado…
– Por favor, sente-se! – sua reação foi mais eloquente mas ainda sem perder a paciência.
– E, agora, tenho que pagar esta conta porque minha esposa, quero dizer, minha ex-esposa…
– POR FAVOR, SENTE-SE! – ela foi bastante enfática olhando diretamente em meus olhos mas sem gritar e sem aumentar muito a voz.
Aquilo me surpreendeu e fez com que eu me calasse e o braço imobilizado no meio do ar como que acusando-a de algo. Olhei para a cadeira e sentei-me.
– Agora, respire fundo porque as escadas são terríveis! Eu que o diga porque tenho que subir e descer todos os dias. O dia está muito quente, o ar condicionado aqui é muito fraco e eu ainda preciso saber no que poderei ajudá-lo.
Num estado quase catatônico, respirei fundo não uma, mas três vezes. Então, silenciosamente, alcancei a carta a ela.
– Ah, eu o estava esperando. Já fiz os cálculos de quanto você precisa pagar porque…
E lá fui eu de novo com minhas divagações pessimistas: “Essa não! Mais um problema? Eles se enganaram no valor e precisarei de mais dinheiro! Porque eu?”, pensei sem verbalizar nada. Devo ter feito uma cara tão feia que ela ficou olhando para mim por alguns segundos.
– …eles cobraram as taxas normais para clientes grandes, mas este é um caso bem pequeno. Portanto, você terá um desconto, nada significativo, mas ainda é um desconto.
Eu suspirei aliviado e respirei fundo de novo. Notei que ela não se abalou com minhas reações silenciosas.
– O dinheiro, por favor.
Mudo como estava, mudo alcancei o dinheiro a ela. Ela fez alguns movimentos burocráticos em vários papéis, carimbou outros tantos e me devolveu o troco e o recibo. Levantei-me para ir embora murmurando um discreto e humilde “Muito obrigado!”.
Pelas costas, ouvi-a dizer:
– Não se esqueça, a gente vai longe depois de respirar fundo!
Apenas acenei com a cabeça e desci lentamente as escadas ainda confuso por tudo o que aconteceu.
Lá fora, estava ainda mais quente mas eu não me importava mais. Respirei fundo e chamei um taxi para voltar. Eu realmente precisava e merecia relaxar pelo resto do dia.
Quando cheguei em casa e só por curiosidade, tentei ligar o carro. Não é que o danado funcionou na primeira tentativa, como se nada houvesse acontecido?
Nota 1: Este conto é baseado em fatos reais acontecidos comigo. Embora eu não possa reconhecer aquela moça se a encontrasse novamente (eu estava envolto pela raiva e chateação do dia), ela foi crucial no aprendizado da lição que não tenho vergonha de reconhecer. De fato, saí fortalecido daquele cubículo e usei a tática da respiração muitas vezes na vida para enfrentar situações que, de outra maneira, teria agido de forma turbulenta e conturbada o que certamente agravaria ainda mais o que estava acontecendo.
Nota 2: A foto que acompanha este conta é do edifício do Donald Trump na Cidade do Panamá, no Panamá. Ele, o edifício, é no formato megalomaníaco de um D maiúsculo (aqui, aparece somente a “barriga” do D) mas também pode representar alguma outra coisa que ele é (ou era) viciado.
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