Impressões da Cidade
Minha mãe adorava a pintura mas, por força de uma sociedade muito machista na época, ela jamais conseguiu fazer da sua arte um meio de vida e precisou recorrer à costura para sobreviver. A frase recorrente era: “Pintar não é para mulher; costurar, tudo bem!”.
Aspectos sociológicos à parte, ela tinha um estilo que era uma mistura de realismo com impressionismo, embora este último fosse mais prevalente nas suas últimas pinturas. Tal como esse estilo, ela gostava de cenas comuns, com traços leves do pincel, sem maiores compromissos com a realidade, mas ainda preocupando-se em parecer verdadeiro, o que se mostrava contraditório em suas telas. Porém, diferente dos impressionistas que usavam cores brilhantes e, muitas vezes, com muita luz, minha mãe gostava de tons mais escuros e pesados que refletiam fases mais complicadas da sua vida.
Dizem que os pintores só ficam famosos após a sua morte; no caso dela, isso não aconteceu e não acredito que jamais venha a acontecer, até porque sua produção artística foi muito pequena.
O fato é que eu aprendi a gostar da pintura por causa dela. Eu mexia em seus pincéis, em suas tintas e fazia alguns arranhões em telas aqui e ali, mas, sejamos honestos, o fogo ardia melhor com as minhas aberrações do que com a lenha. Dessa fase, nada sobrou.
Muitos anos mais tarde, ensaiei um recomeço com aquarela por me atrair a fluidez da tinta e as cores leves e cheias de luz. Muito me esforcei, estudei um bocado e algumas pinturas ainda decoram as paredes lá de casa. Cheguei à triste conclusão de que meu talento não dava nem para começar a dizer que eu pintava e desisti novamente.
Agora, acho que me encontrei na forma da combinação entre a pintura e a fotografia na qual, partindo de uma foto, eu a transformo, aplico efeitos especiais, literalmente pinto partes dela, usando softwares especiais, até obter um resultado que me agrade como se fosse uma verdadeira pintura. Sei que esta não é palpável, fisicamente falando, mas eu sinto prazer em pegar uma dessas canetas que sensibilizam uma superfície eletrônica e, como se fosse um pincel, aplicar cores e texturas. Assim como eu posso obter uma peça harmônica que se parece com uma pintura, eu também poderei fazer arranhões tal como fazia lá bem no início da minha “brilhante carreira artística”. A diferença está em que eu já parto de uma obra a caminho, ou seja, a foto, o que dá um grande avanço no meu trabalho.
Aliás, Fotografia e Pintura têm muito a ver, porque ambas as artes lidam com a estratificação da luz e da cor embora em meios diferentes. Os princípios da composição são os mesmos, mas dizia-se que os pintores tinham mais liberdade porque poderiam colocar numa tela o que desejassem, enquanto os fotógrafos se restringiam ao que basicamente poderiam fotografar. Hoje, não é mais tão verdadeiro, porque programas como o Photoshop permitem uma liberdade infinita na criação de telas artísticas digitais.
Nesta nova fase, gostaria de apresentar alguns dos meus trabalhos dentro do tema paisagens urbanas. Notem que gosto de muita luz mas não tenho idéia de qual seja o meu estilo porque vou fazendo minha arte conforme acho o tratamento mais interessante para uma certa foto (parafraseando Millor Fernandes, “Enfim, um quase-pintor com um quase-estilo!”).
Como eu escolho a foto? Não tenho uma regra básica e seleciono aquela que acho que vai funcionar. Na verdade, acho que é a foto que me escolhe… Pura inspiração, eu creio, até porque alguns trabalhos acabam resultando em algo agradável enquanto outros eu jogo no lixo após pintar um bocado.
O que conta mesmo, para mim, é a sensação de estar pintando, mesmo que seja digitalmente!
Lena
03/08/2015 19:59Maravilhosa história! Naquele tempo devia ser mesmo difícil. Mas, era uma artista. E você, recebeu dela, muita arte, sensibilidade e um grande ser humano.
Parabéns pelo belo texto e fotos maravilhosas!
Bressan
08/08/2015 22:27Muito obrigado, Lena! Ela foi, definitivamente, uma inspiração para mim!
Rosane
03/08/2015 18:58Sensacional! Parabéns!
Bressan
08/08/2015 22:28Obrigado, Rosane!