
Vestida de Amarelo
Quando completei cinco anos, meu pai deu-me de presente uma caixa de madeira onde se lia o título semicircular “VIVA O TREM” e, um pouco abaixo, a foto de um trem Maria-Fumaça, como se estivesse viajando em alta velocidade.
Passávamos horas montando-o num canto do meu quarto, depois mudando seu trajeto várias vezes, apenas pelo prazer de estarmos juntos. Ao lado dos trilhos, era possível encaixar algumas árvores. Havia também uma estação com uma janelinha imitando a venda de bilhetes e, perto dela, coloquei um bonequinho de um homem segurando um aplicador de óleo, como se estivesse à espera do trem para lubrificá-lo.
Na caixa, ainda veio uma casinha branca, que preferi colocar atrás das árvores, no meio do circuito dos trilhos, imitando uma cidade distante. Como toque final, diante da casinha, coloquei um pedaço quebrado de espelho simulando um lago e um pouco de areia ao redor para fazer a “prainha”.
Mas, o mais bonito mesmo era o próprio trem, com a máquina preta reluzente e o maquinista apoiando o braço na janela. Abaixo, lia-se “V. I. D. A.”, cujo significado nem meu pai soube explicar. Logo atrás da locomotiva, havia um vagão menor, com entalhes pintados representando carvão, e, por fim, outro para passageiros, com várias janelinhas e banquinhos em seu interior. Num dos bancos, junto a uma janela, estava sentada uma passageira — uma menina vestida de amarelo, simpática, embora com uma expressão que me parecia triste.
Desde o início, afeiçoei-me ao brinquedo e passava horas ali, observando-o passar pelas árvores muito verdes, feitas de um material sedoso ao toque. A passageira, o maquinista e o mecânico pareciam ser feitos de uma borracha maleável, quase exalando um calor humano, embora suas faces fossem sérias, compenetradas em seus destinos.
Embora meu pai também gostasse de brincar comigo, tinha pouco tempo, pois trabalhava muito para nos sustentar e ainda precisava ouvir as reclamações de minha mãe sobre as precárias condições em que vivíamos.
Aliás, meu brinquedo novo já havia provocado muitas discussões entre eles, pois meu pai dizia tê-lo ganhado de um colega de trabalho cujo filho morrera, enquanto minha mãe insistia em dizer que ele mentia, porque “ninguém dá presentes para ninguém” e garantia que ele havia gasto o pouco dinheiro que tínhamos em algo inútil para mim. Nessas horas tristes, eu me fechava em meu quarto, deitava na cama, colocava o travesseiro nos ouvidos e ficava imóvel até tudo cessar — ou, então, brincava com o trem, na esperança de que o ruído das rodas nos trilhos pudesse abafar as palavras rudes que vinham da sala.
Um dia, descobri que bastava apertar uma alavanquinha junto ao maquinista e a máquina emitia um barulhinho rouco, que, para mim, era um apito de verdade. Apitei várias vezes, achando aquilo maravilhoso. E lá se ia meu trem, resfolegando pelos trilhos e, de vez em quando, apitando. Que felicidade a minha descoberta! O que eu não percebia era que o barulho incomodava ainda mais minha mãe, a ponto de, um dia, ela irromper no meu quarto, ralhando:
— Você está me irritando com essa porcaria de brinquedo!
Ela ia chutar meu trem, mas me pus à frente dele, protegendo-o com os braços e fechando os olhos, esperando o pior. Nada aconteceu, e ela saiu a passos pesados, batendo a porta com força. Daquele dia em diante, só usava o apito quando minha mãe não estava em casa — não arriscava nem mesmo quando ela estava de bom humor.
Muito tempo depois, entendi que, no fundo, não era o trem que incomodava minha mãe, mas o fato de ter sido um presente do meu pai. Tudo não passava de ciúmes porque eu e meu trem éramos os agentes causadores desse sentimento. Suas crises eram frequentes, e os motivos poderiam ser os mais fúteis possíveis. Não sei como meu pai suportava. Talvez fosse apenas para me proteger.
O trem passou a ser meu refúgio nos momentos difíceis — na maioria das vezes, por causa dos problemas em casa, mas também na escola, onde eu sofria com as provocações dos colegas. Eu era quieto e sempre fazia minhas tarefas, o que me tornava alvo fácil. Muitas vezes, em aula, meus pensamentos se perdiam nas brincadeiras com o trem, e os professores me chamavam a atenção, causando ainda mais chacotas. Quando o professor não estava olhando, meus colegas me empurravam da cadeira. Se eu reclamasse, eles zombavam:
— Ele estava sonhando e caiu sozinho, professor!
E assim minha vida prosseguia. Eu gostava de mover meu trem para lá e para cá. E de apitar, quando podia! Tocava nas árvores, ajustava o mecânico para que parecesse estar lubrificando a máquina, e, então, o trem parecia andar melhor.
Nas horas mais tristes, “conversava” com o maquinista, o mecânico e a passageira. E eles pareciam ganhar vida, até sorrir. Os dois primeiros não me davam muita atenção, como se dissessem: “Estamos muito ocupados!”, mas a menina de amarelo me ouvia. Eu poderia jurar que ela ficava triste ou alegre conforme meu humor. Acreditem ou não, ela me ajudava a suportar minha vida.
Conforme fui crescendo, as coisas tornaram-se cada vez mais complicadas e insuportáveis, exacerbadas pelos humores da juventude. Contudo, sempre tinha a passageira para conversar e fazê-la andar de trem. E ela me entendia! Ela também cresceu, ficou mais bonita. Seu cabelo preto longo, seus seios volumosos sob a roupa amarela, suas pernas elegantes já conseguiam se apoiar no solo. Até os cabelos do maquinista, eu juro, ficaram mais grisalhos a cada volta do trem na estação.
Tudo aquilo era mágico e me fazia esquecer as amarguras, mesmo que por poucas horas — até o dia em que meu pai morreu. O único grande amigo que eu tinha, perdi-o! Mesmo silencioso em seus atos, para não despertar ciúmes, eu sabia que ele estava sempre por perto para me apoiar. E ele se foi! Chorei muito diante da janela do trem. Lágrimas pesadas, soluços fortes, que fizeram minha linda passageira chorar também.
No meu desespero, senti um toque delicado no cabelo. Era ela, com o bracinho estendido, tentando me dizer:
— Estou aqui. Fique tranquilo. Tudo vai passar.
Sorri, enxuguei as lágrimas. Fechei os olhos para sentir aquele carinho suave. Lentamente, fui perdendo a tristeza. Uma tranquilidade nunca antes vista se apossou de mim. E eu dormi…
Cheguei à estação de trem bem na hora de vê-lo se aproximar, resfolegando e soltando apitos curtos — não aqueles roucos aos quais eu havia me acostumado, mas verdadeiros silvos. O mecânico já estava a postos, com seu aplicador de óleo, para deixar a máquina ágil. Ela passou por mim devagar, com o maquinista sorrindo e o braço apoiado na janela. Depois, veio o vagão do carvão e, então, o vagão de passageiros. E lá estava ela, mais radiante do que nunca em seu vestido amarelo, acenando freneticamente para mim.
Mal o trem parou, ela desceu correndo e nos abraçamos forte. Nos beijamos, dançamos, olhamos um para o outro, sem acreditar no que víamos e sentíamos. As palavras eram desnecessárias.
O trem partiu novamente, soltando vapor branco em chumaços pesados de algodão.
Enlacei minha amada e atravessamos os trilhos. Tomamos uma trilha em meio à floresta, onde uma casa branca aconchegante, à beira de um lago, nos esperava…
— Feliz aniversário, filho! — disseram os pais em coro, entregando-lhe um presente.
Ele abriu o pacote com pressa e explodiu de alegria.
— Obrigado, papai e mamãe! Adorei!
Dentro, um jogo completo de trem. E, no vagão de passageiros, parecendo sorrir e acenar para ele, um casal de mãos dadas, ela vestida de amarelo…
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