Pequeno Inseto, Grande Problema
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Quem não gostaria de voltar ao passado para desvendar mistérios, tentar mudar fatos terríveis da História, corrigir problemas pessoais e, quem sabe, de quebra comprar um bilhete de loteria que se sabe ter sido sorteado ontem?
Eu também gostaria de dar uma voltinha no Tempo, mas reconheço existir dois problemas, um bem grande e um bem pequeno.
O grande problema, na verdade um enorme desafio, é fazer uma máquina do tempo. Acredito que ainda falte alguma coisa para o Ser Humano dominar as dobras do Tempo ou viajar a velocidades maiores do que a própria luz, isto supondo-se resolver a questão. Ainda assim existiriam outros problemas de ordem absolutamente prática como falar a língua do lugar e ter a vestimenta própria para não chamar a atenção e dar vexame. Nos filmes, é fácil porque todas pessoas de qualquer lugar do mundo, em qualquer época da Humanidade, incrivelmente falam Inglês atual! Ah, tem mais um ponto que pouquíssimos dão-se conta: viajar no Tempo não significa também viajar no Espaço. Se entro na máquina do tempo na minha casa e volto 100 anos, eu vou continuar no espaço físico que era minha casa, tal como colocou H. G. Wells[1] no clássico A Máquina do Tempo. Ou seja, se lá existia um rio, provavelmente morrerei afogado ao chegar, minha máquina afundará e eu ficarei eternamente preso naquela época. Se há 2000 anos atrás no lugar da minha casa existia uma floresta densa em algum ponto da América, eu terei que suar um bocado até chegar à Terra Santa para acompanhar a caminhada de Cristo, a não ser, é claro, que eu já esteja lá com minha máquina do tempo a tiracolo.
Digamos que eu passe por cima de todos estes problemas, quem acreditaria que fiz tal proeza? Eu precisaria trazer alguma lembrança, alguma prova, algo concreto da minha viagem. Fotos? Quem acredita em fotos hoje em dia, tamanha a facilidade de alterá-las?
Entra, aí, aquele pequeno detalhe que falei no início: um inseto, mais precisamente, uma borboleta. Eu falo do Efeito Borboleta ou a Teoria do Caos, de Edward Lorenz[2], um meteorologista, que dizia em 1961: “Como se o bater das asas de uma borboleta na Ásia, provocasse, meses depois, um tornado na América”. Ray Bradbury[3] montou uma situação genial num conto de ficção científica chamado Um Som de Trovão, o qual explicava por que não se deve alterar o Passado uma vez conhecido o Futuro, pois as conseqüências poderão ser inimagináveis.
Com razão, estas dificuldades me fizeram deixar de lado a volta no tempo, mas me deram uma idéia interessante: fotografar o passado, tal como a gente acha uma foto velha numa caixa esquecida. Ao que se saiba, fotos não “gastam” os objetos fotografados e, portanto, eu não alteraria nem removeria nada de lá. Sendo um escritor e fotógrafo, eu poderia ter material fértil e inédito para todas platéias. Sucesso, fama e dinheiro garantidos contanto que ninguém soubesse de nada e que não publicasse nada notório.
Mas, como fotografar o passado sem voltar atrás no tempo?
O assunto incomodou-me até lembrar no Cronovisor[4] do Padre Pellegrino Ernetti, uma máquina estranha que comprei numa loja de quinquilharias de Veneza. O vendedor me disse que aquilo era coisa idiota, que não funcionava e quase me deu de graça. Eu a havia deixado no porão para dias melhores e o dia chegou. Depois de pesquisar o pouco disponível sobre o padre e sua máquina, trabalhei para atualizá-la com Internet, circuitos integrados, monitores de alta resolução e acoplamento a um computador. Finalmente, minha primeira imagem apareceu, depois mais uma e mais uma…
Se você não sabe o que o Cronovisor faz, é bem simples de explicar embora, por motivos óbvios, eu não possa revelar todos os detalhes. Num conceito semelhante ao dos Registros Akashicos[5], ele captura a luz que emanou durante acontecimentos passados e ativa um sensor parecido com as das máquinas fotográficas. Basta introduzir as coordenadas de determinado tempo e espaço, apertar um botão e tenho uma foto do acontecido naquele lugar e naquela hora. As fotos não são muito boas porque meu Cronovisor é portátil e ligado à tomada de casa; mas, se fizesse um modelo maior alimentado por meia central elétrica, eu teria imagens perfeitas em alta resolução. Lembre-se, porém, que eu não posso chamar a atenção com contas de luz muito altas e destoantes das dos meu vizinhos…
Comecei meu trabalho. Uma foto no Japão do início do século passado virou um recorte fotográfico com boa aceitação. Outra, durante a viagem de Cristóvão Colombo, transformou-se em conto detalhado do que se passava num dia qualquer nas caravelas. E assim, fui fazendo sucesso. A todos, eu dizia que era minha imaginação e o Photoshop que permitiam meu trabalho. Sempre havia aqueles que desconfiavam da minha exagerada criatividade, mas ninguém conseguia provar nada porque eu tomava o cuidado de não usar fatos conhecidos.
Um dia, decidi descobrir quem era aquela mulher misteriosa chamada de Babushka Lady que aparecia em fotos durante o assassinato do Presidente Kennedy[6]. Regulei o Cronovisor de tal forma que ficasse bem de frente para ela e tirei algumas fotos. O que vi me deixou perturbado. Não sei quem era ela mas, contrariamente ao que todo o mundo pensa que ela estava tirando fotos, na verdade, ela estava falando através de um walkie-talkie feito por fabricante moderno, o que significava que ela era… passageira do tempo! Tirei várias fotos em seqüência, como se fosse um filme, e ela parecia estar dizendo “Agora!”, em dois momentos distintos, exatamente um pouco antes de cada tiro atingir Kennedy. Portanto, ela estava orientando quem quer que fosse o atirador ou atiradores, à distância.
Entrei em choque! Uma pessoa viajando no tempo para matar Kennedy? Por quê? Será que Kennedy iria aprontar alguma coisa terrível no futuro e alguém decidiu cortar o mal pela raiz? Impossível saber agora e concluo que a História que conhecemos hoje não é a História que deveríamos ter vivido. Que outros episódios teriam sido assim modificados sem que ninguém soubesse?
Então, as viagens no tempo não somente eram possíveis, como estavam acontecendo e bem defronte meu nariz! Eu achava que estava espiando a cortina do passado com muito cuidado para não deixar rastros, mas havia pessoas que o estavam manipulando! E eu tinha as provas!
Publiquei uma longa invenção sobre o assunto que foi tremendo sucesso, tão grande, que as teorias conspiratórias a respeito do assassinato do Kennedy aumentaram ainda mais de volume. Diverti-me muito de tudo até que recebi a visita de um casal de meia-idade, cuja mulher eu reconheci ser a das fotos. Aí, eu gelei! Eles foram breves nas palavras e nem me deram tempo para pensar.
– Como muita gente, nós também estávamos gostando dos seus escritos. Sabíamos que tudo era verdadeiro demais para ser invenção; fomos investigar e descobrimos seus truques. Ficamos quietos a acompanhar seu trabalho pois isto nos poupava um pouco do nosso. Porém, com o Kennedy, você foi longe demais e irá, fatalmente, mudar a História. Você está a ponto de matar a Borboleta, Escritor; você não tem idéia da gravidade do assunto e nem saberá como controlar esta onda no futuro. Para evitar aborrecimentos desagradáveis para todos nós, oferecemos a oportunidade de você ir morar em Paris por alguns anos, em 1847, onde você poderá se aproximar de um jovem escritor chamado Jules Gabriel Verne[7]. Conversando com ele, vocês poderão discutir as possibilidades do futuro como se fossem sonhos distantes. Nossa equipe de lá poderá dar toda ajuda necessária para que viva dentro de limites que não venham alterar o que lá se passou.
Fizeram uma pausa, olhando para mim. Como não viram reação de minha parte, continuaram:
– Mais uma informação antes que você tome a decisão: sabemos como foi o passado nos seus detalhes; então, podemos antecipar, com muita precisão, como poderá ser o futuro; alterando o presente, sem mexer no passado, moldamos o futuro. Foi o que aconteceu com Kennedy: o pessoal de lá previu que ele aprontaria algo para a Raça Humana e conversou com ele, mas foi inútil porque ele se achava acima de tudo. Dada a complexidade da operação, eles precisaram da nossa ajuda e o resto você já sabe. Você vem conosco?
Diante de tais argumentos, vocês acham que deveria ter recusado tal proposta?
Referências
[1] Herbert George Wells, escritor Inglês de obras principalmente de ficção científica.
[2] Edward Lorenz, meteorologista Americano.
[3] Ray Bradbury, contista Americano.
[4] Cronovisor.
Maria
01/02/2017 18:39Excelente artigo!
Bressan
03/02/2017 11:27Obrigado, Maria!
Ricardo
30/01/2017 07:09Falando de voltar ao passado leia a coleção “Operação cavalo de troia” de J.J.Benitez.
Bressan
30/01/2017 22:51Obrigado, Ricardo! Boa recomendação! Se possível, será a próxima leitura porque me interesso muito pelo assunto. Um abraço!